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30 abril 2014

Bologna Children's Book Fair 2014

Conhecido como o maior evento inteiramente voltado para a literatura infanto-juvenil do mundo, a Feira de Bologna acontece todo ano desde 1964, e é o lugar com a maior concentração de figuras lendárias no mundo da ilustração, literatura e edição de livros infantis por metro quadrado. Além disso, há uma exposição sensacional e várias mesas redondas inspiradoras distribuídas numa programação de quatro dias. Um sonho para qualquer um que já fez livros para crianças.


Para quem não mora no velho continente, a visita a Bolonha acaba ficando no campo das vontades, afinal, há a complicação de atravessar um oceano. Tudo tem que ser muito bem planejado para que se tenha um bom proveito, e o viajante tem que ter a certeza que era a hora certa para ir. Por esse motivo, enquanto muitos brasileiros nunca nem foram na feira, os europeus já "perderam a conta" de quantas vezes foram a Bologna: para eles, é como fazer uma viagem entre Rio de Janeiro e São Paulo.

E é aí que eu entro: eu já estava do outro lado da poça desde fevereiro, completando meus estudos em Design (ilustração, né? Vamos ser francos) em Portugal. Eu não sabia se era a hora certa e muito menos havia planejado alguma coisa até dois meses antes da feira, mas com a Itália ali, do ladinho, ir à Bolonha não era mais uma vontade, mas sim uma obrigação.

Coincidência ou não, 2014 foi o ano do Brasil ser o país homenageado no evento e, para mim, foi como ir pela primeira vez numa copa do Mundo e ver seu time sair campeão – literalmente, pois essa edição ainda contou com a gloriosa vitória do Roger Mello, o primeiro ilustrador brasileiro a ganhar o prêmio Hans Christian Andersen... Mas isso eu explico mais abaixo. Vamos por partes:








A FEIRA


Como o Brasil foi o país homenageado, logo na entrada tinha uma grande exposição com 55 ilustradores brasileiros. Foi uma excelente oportunidade para ver ao vivo o trabalho de artistas que admiro, conhecer o trabalho de ilustradores novos e apreciar o conjunto da obra. Numa mesa redonda com a Graça Lima, Roger Mello e Ziraldo, falou-se em como o Brasil não possui uma única cara quando o assunto é ilustração: ora, num país com uma extensão territorial tão grande que abriga de secas a enchentes, com culturas tão distintas espalhadas por regiões do tamanho de países, não seria de se esperar que só se falasse uma linguagem quando o assunto é imagem. A "cara do Brasil" está na sua diversidade, e o que une isso tudo é a nossa paixão, a nossa união – como falou bem a Graça Lima. E é daí que vem o nome "Brazil: Countless threads, countless tales".






– As mesas redondas valeram muito a pena. Todas pareciam tão legais na programação que ficava difícil escolher em quais ir! Acabei indo a duas, uma depois da outra: a Countless Threads, Countless Tales, que teve como participantes Ziraldo, Roger Mello, Graça Lima, Odilon Moraes e Fernando Vilela, deu um panorama da ilustração brasileira, além de contar um pouco da trajetória. Em seguida teve uma muito legal sobre cultura indígena e sua presença nos livros infanto-juvenis: Stories and line, com Daniel Munduruku, Ciça Fittipaldi, Mauricio Negro. Fiquei maravilhada com o relato de cada um, e feliz por ver a importância que os livros ilustrados tem ao perpetuar esta cultura de extremo valor na história brasileira, mas que infelizmente é negligenciada nos outros meios. A Ciça partilhou um pouco da vivência que ela teve em uma tribo indígena, e mostrou a reprodução de um desenho feito por um índio de lá. Ela pediu que ele desenhasse algo que representasse o amor, e o resultado foi o que vocês podem conferir abaixo:



– Outra coisa legal foram as diversas exposições que estavam acontecendo. Tinha uma sobre o Brasil, o homenageado, como disse lá em cima, mas haviam outras três: a clássica, com trabalhos de gente de todas as partes do mundo; uma com as ilustrações do Ugo Fontana, e outra da Satoe Toe. Virei fã na hora! O Ugo Fontana possui trabalhos que me lembraram o maravilhoso traço de Kay Nielsen, e os da Satoe Toe são de uma delicadeza ímpar.

Ugo Fontana








– Obviamente a tietagem não poderia ficar de fora de um evento desses, afinal, poder bater um papo sobre amenidades com estas feras da ilustração é a cereja do bolo. Foi uma honra poder encontrar o Rui de Oliveira, que acompanhou os meus primeiros passos no mundo da ilustração, logo na maior feira sobre o assunto; O Carcamo, que eu conhecia "só" pelo trabalho magnífico como ilustrador e aquarelista, e que me tratou como se eu fosse uma amiga de anos, com uma simpatia que não é comum de ver por aí; e é claro que não poderia faltar a foto com o Roger Mello, primeiro brasileiro vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen, o motivo da felicidade que todos os brasileiros estavam sentindo naquela feira. O triunfo deste jovem ilustrador vem para marcar uma reviravolta na história da ilustração brasileira, que há anos vêm se reinventando e agora atinge seu ponto mais alto. Ele prova que somos, sim, capazes de fazer coisas extraordinárias. Parabéns, Roger! Parabéns Brasil! :)

Por fim, saí da feira satisfeita por ver tanta coisa nova, tantos trabalhos fantásticos e por ouvir boas novas de quem já é craque no meio da ilustração. Foi uma experiência memorável, magnífica do início ao fim, e que certamente rendeu bons frutos.



Agora, pra quem quer ir nas próximas edições da feira e não sabe nem por onde começar, aqui vai o atalho:


"Bologna Children's Book Fair Experience: how to"

PREPARATIVOS

– Antes de mais nada, planeje sua viagem com muita (muuuita) antecedência. A cidade é pequena e recebe pessoas de todos os lugares do mundo, então tudo lota: é tão verdade que deixei pra programar tudo quando faltavam dois meses, e nem passagem de avião direto para Bologna tinha mais – tive que fazer uma escala em Milão e pegar um trem até a cidadezinha. Os hotéis, só num perímetro muito afastado da cidade, e mais caros. Uma boa saída para estadia nesses casos é o site airbnb.com

Se você enviar suas ilustrações para a seleção da exposição que acontece no evento, você entra de graça, mesmo que elas não sejam escolhidas – Sim, só enviar e voilá, passe livre para a feira. Mas preste atenção nas datas, o limite costuma esgotar em meados de Outubro do ano que antecede a feira. No pior dos casos, caso você tenha perdido o prazo, ainda dá pra ganhar um desconto nas entradas mandando um email para a organização do evento, dizendo que você é ilustrador: ao invés de salgados 30 euros por dia, você paga metade, 15 euros.

– Para quem quiser marcar uma entrevista particular com os editores, também tem que ser com muita antecedência, então fique de olho no site do evento.


Passagens acertadas, hotel reservado, tickets impressos: eu iria sozinha para um país que eu não conhecia e muito menos falava a língua local. Tinha comprado os ingressos para uma feira a qual nunca tinha ido, e apesar de saber que era uma boa oportunidade de mostrar meus trabalhos, fazer contatos e ver o que está sendo feito, eu não sabia muito o que esperar. O que eu fiz? 

– Mandei emails para todos os ilustradores que eu conhecia, e alguns que eu não conhecia tambémmas que foram extremamente gentis comigo e deram a base para eu conseguir sobreviver à feira. Nesse link aqui (indicação da fofíssima Taline Schubach, uma ilustradora brasileira que também estudou na design na UFRJ [iuhu!], e é quase espanhola há uns anos), tem uma porção de gente fazendo review da feira e mastigando o milho para as novas andorinhas, como eu (e basicamente é o que eu estou fazendo aqui). Esse outro link aqui leva para um guia de "Marinheiros de primeira viagem", também muito útil, e foi indicação do Alarcão – que não pôde estar nesta edição da Feira, mas marcou presença com alguns trabalhos expostos.

– Comecei a produzir algumas peças de self promotion que mais tarde decoraram as paredes da feira – sim, há uma parede enorme que dá a volta no pavilhão principal especial para colar contatos, cartazes e, no meu caso, marca páginas. Tinha de tudo, e levar os marcadores de página foi uma decisão acertada, pois, além de serem úteis e reutilizáveis, servem como um cartão de visitas :) Aliás, quem quiser um é só mandar um email pra taissacmb@gmail.com


– Fiz alguns mini portifolios com meu trabalho, como este aqui. Foi a melhor opção que encontrei, já que não estava com nenhum original em mãos por causa do intercâmbio... e eles foram realmente úteis, mas não o quanto eu imaginava, apesar de ter conseguido falar com algumas editoras e entregar meu trabalho. Senti falta de ter um portifólio completo, mas saí da feira com a impressão de que esse não é um evento muito voltado para ilustradores mostrarem seu trabalho. Dei uma volta em todos os stands, e só 10% deles tinha alguma pessoa vendo portifolios de ilustradores, dava pra contar nos dedos das mãos. E, claro, todos esses estavam com filas gigantescas cheias de gente com pastas A2.

A FEIRA

– A impressão que ficou é a de que essa feira não é tanto pra contratar serviços, mas sim para publicar projetos prontos, comprar e vender direitos. Eu chegava com meu portifólio e os editores já perguntavam se o projeto estava completo, porque eles iriam apenas editar – e algumas nem isso, diziam que só negociavam os direitos com editores. Então, pra quem vai à feira só com o intuito de mostrar o portifólio, não deixe de pensar nesses pontos! E, se resolver ir assim mesmo, arrisque: eu tentei ir desde os stands franceses aos coreanos, e só não entreguei no Russo porque, apesar de só ter trabalhos lindos, só negociavam direitos. Inevitavelmente paguei uns micos, puxei papo na cara de pau, mas no final sobrevivi, e ainda consegui uns contatos.








– Se você, ilustrador, não conseguiu falar nem com os editores que vêem portifólios, nem tudo está perdido: ainda temos as paredes do evento! Corre uma lenda urbana de que os editores passam por estas paredes escolhendo os ilustradores que gostam e depois entram em contato. No entanto, acredito que a maior parte do público destas paredes sejam os próprios ilustradores e outros visitantes em geral – digo isto porque eu mesma peguei vários contatos dessas paredes de gente que eu gostei do trabalho. Foi aí, também, que eu coloquei cerca de 90% de todos os marcadores de página do self promotion... Eu gostava de colocar e ficar observando pra ver quem ia pegar! No último dia fiquei feliz de não ter encontrado nenhum "filho" nas paredes...

Aproveite para assistir às mesas redondas. Além da de ilustração, no Illustrator's café, tem os equivalentes Author's Café, Translator's Café, Digital Café... encontre sua turma! A única parte ruim dessas mesas redondas é que, quando o papo não era em português nem em inglês, era em italiano – e o meu italiano, por exemplo, só é bom naquilo que tange os nomes de comida...

Puxe assunto com seus artistas preferidos. A maioria deles está circulando pela feira, então perca a vergonha e fale com eles. De todas as coisas da feira, acho que poder conversar com estas figuras foi uma das coisas que mais gostei, empatado com as mesas redondas e as exposições. Vale a pena, e todos que eu tive o prazer de encontrar foram extremamente simpáticos, eles sempre tem algo de valioso a dizer!

– F.A.Q.: Vale a pena?
Sim, mas você tem que fazer valer! No meu caso, apesar de saber por alto como seria a feira, fui preparada para (quase) todas as possibilidades e procurei fazer um pouco de cada coisa. Algumas deram muito certo, outras deram errado, e outras foram como uma surpresa boa. 

Por exemplo, se eu ficasse a feira inteira focada no self promotion, procurando editores e contatos, eu teria saído de lá sem aproveitar a exposição, as feiras e sem conversar com meus artistas preferidos, que acabaram sendo as coisas que mais valeram a pena mesmo. 

Se você tiver um projeto pronto, já é ooooutra história. Além das incontáveis editoras estrangeiras, há mais de 40 editores brasileiros lá, mas aí é aquela coisa: será que vale a pena ir pra Itália só pra falar com um cara que mora na mesma cidade que você? Não que uma viagem dessas não valha a pena (afinal, no pior dos casos, a Itália é linda!), mas será que compensa ficar um tempão dando atenção a isso quando você pode aproveitar as coisas que vão ficar por lá, como a exposição e as mesas redondas?

Fui em dois dos quatros dias de feira, o primeiro e o segundo, e foi o suficiente pra ver de tudo. Porém, acabava sendo um pouco desgastante porque eu passava o dia inteiro na feira, então talvez seja uma boa idéia fazer uma programação assim: metade do dia conhecendo Bologna (a cidade é uma graça e tem uns museus legais!) e a outra metade na feira, ocupando os quatro dias. Uma coisa legal que o pessoal costuma fazer pra aproveitar a viagem é dar uma esticadinha em Sármede, antes ou depois do encerramento feira, pra fazer uns cursos de ilustração por lá. Eles têm um stand na feira! :)


Enfim, acho que é tudo. Foi ótimo conhecer essa feira que é um constante estímulo aos olhos, cabeça e ouvidos daqueles que ajudam a criar o imaginário das pessoas :)

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Mais informações no site do evento: bolognachildrensbookfair.com
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